O webinário realizado no dia 14 de janeiro, iniciou com uma breve apresentação do Paulo Illes, sobre o Fórum Social Europeu e o Fórum Social das Américas de Migrações que havia sido realizado há pouco tempo e contou com uma grande participação de grupos e associações de migrantes. O Fórum Social de Migrações acontecerá nos dias 16 e 18 organizado pelos companheiros e companheiras do México. Também foi informado nessa introdução que o Fórum Social Europeu de Migrações será realizado em Lisboa entre os dias 19 e 21 de março deste ano e ainda não foi decidido por conta da pandemia se será presencial ou virtual. Paulo também agradeceu às organizações e pessoas que ajudaram na realização desse webinário e passou a palavra para Mariana Araújo da Casa da Gente de Barcelona.
Após agradecer as palavras do Paulo e comentar sobre o tema da mesa, explicou que a questão da interseccionalidade é uma questão bastante sensível, tem um certo caminho que é a ideia que muitas vezes a injustiça social existe numa mesma situação em diferentes níveis e começa a ser estudada justamente na questão dos direitos civis americanos nos EUA e conta com autores de grande peso no estudo da interseccionalidade da luta social: Patricia Hills Collins, Bell Holkes, no Brasil tem a Carla Akotirene.
Após a fala da mediadora, deu-se início a fala do professor doutor Antumi Toasijé que é Presidente del Consejo para la Eliminación de la Discriminación Racial o Étnica en España. O professor Doutor realizou um resumo sobre a origem etimológica da palavra racismo, enfatizando que o conceito de racismo como ideologia foi usado pelos europeus como justificativa para a expansão marítima. De roubar o poder do povo oprimido e impor sua supremacia, por ser uma raça superior. O racismo é um conjunto de argumentações para o retirar o poder. No séc XVIII surgiu justificativa científica para o racismo, antes era apenas de caráter religioso. O professor também explicou que antes do pensamento moderno, os povos eram vencidos em batalhas, escravizados, e depois vinha o racismo para justificar. Após a explicação sobre a origem do racismo, deu continuidade falando sobre a história da Espanha. O racismo tem sua forma nas expulsões das populações judias e de origem norte-africana (mouros). A limpeza de sangue que foi realizada no país, onde pessoas que não eram brancas não podiam ocupar bons cargos e funcionou até o final do século XIX. Explanou também sobre a Constituição de Cali que é chamada por alguns de progressista, mas tem um artigo em que diz que pessoas africanas só conseguem o direito à cidadania se realizarem serviços extraordinários para a pátria.
O conceito de cidadania se converte em um privilegio racial e segue sendo até hoje, pois as instituições ainda escolhem quem tem direito a cidadania, e com o exemplo de que nos países que foram colônias espanholas alguns imigrantes conseguem a cidadania em 2 anos e para pessoas de origem africanas e de outros países pode levar 10 anos. Foi explicada também as consequências da invasão yamnayas. E sobre a ideia de tornar a Espanha branca que levou à expulsão de milhões de pessoas no século XVI acabou não tendo o resultado esperado nos séculos XIX e XX, visto que a população espanhola justificativa o seu pessimismo por que o país era muito africanizado, se comparado com outros países Europeus, como a Alemanha e o Reino Unido, esse pensamento só mudou após a entrada da Espanha na União Europeia. Também expôs que o ano de 1992 é emblemático com o surgimento de grupos neonazistas, o assassinato de um homem negro que é reconhecido pela polícia tendo como motivação o racismo, a exposição de Sevilla que exaltava os feitos do colonialismo e um aumento à perseguição às pessoas de cores. Também houve um aumento do controle de emissão de vistos para países africanos em relação aos países considerados brancos, ex: Rússia.
Mariana apresentou Jean Wyllys como vindo de um país racista, em que privilégio e opressão coexistem. Voltando ao tema da interseccionalidade é muito possível que a pessoa que seja opressora também seja oprimida. Jean, é professor, escritor, ativista dos direitos humanos e foi por dois mandatos deputado federal. Iniciou a sua participação no webinário falando sobre o racismo religioso, que poderia ser convertido e o racismo biológico que tem o seu ápice no nazismo. Entrando no assunto da interseccionalidade no Antropoceno, Jean enfatizou a dominação da população pelos homens, do patriarcado e do controle dos corpos das mulheres. Esses povos viviam separados, porém, tinham alguns valores em comum. Com a globalização que surgiu nas grandes navegações e o encontro desses povos, houve o choque das diferenças e a necessidade de submeter os povos por meio da escravidão. O conceito de Estado-nação é desenvolvido com a globalização e o papel central das religiões.
O professor também explicou as similaridades do judaísmo, cristianismo e do islamismo e que o processo de colonização levou uma língua, uma religião, um patriarcado e o perigo do sexo reprodutivo. A questão do sexo reprodutivo é muito usada pela extrema direita francesa que diz que a França deixará de ser francesa pois os árabes que lá vivem se reproduzem muito. Quando o mundo enfrenta uma crise econômica e que também é uma crise de recursos naturais, e climática, facilita o ressurgimento desses valores tão históricos e que estão profundamente arraigados em todos nós e por isso a extrema direita está usando novas tecnologias de informação, como as fake news, atingindo a população. Há hoje um movimento de dividir, Jean, diz que é o ressurgimento do nacionalismo que para ele está sempre sob suspeita, pois tentam separar, dividir povos híbridos, línguas híbridas em nações. Para ele, isso também vale para migrantes que migram para Estados de bem-estar social e criam bolsões, guetos e não querem assimilar novos valores destes espaços, serve também para os nacionais que veem os estrangeiros e os imigrantes como ameaças. O trabalho da interseccionalidade é antes de tudo um trabalho de suturar aquilo que a extrema direita e grupos neonazistas tentam dividir, que há opressões dentro das opressões, os homens dominando as mulheres. Terminou com o questionamento de como podemos nos unir dentro das nossas diferenças para combater a destruição climática e que seja diferente da política neoliberal que temos hoje.
Maria Dantas, jurista, ativista social, brasileira e Deputada no Parlamento espanhol chamou atenção para a garantia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC). Apesar dos direitos humanos serem indivisíveis e interdependentes, existe uma falha de cumprimento desses direitos. Exemplos são a desnutrição e a falta de acesso à educação de menores de idade. A negligência no cumprimento dos DESC também afeta o cumprimento dos Direitos Civis e Políticos. Um exemplo é que a fruição plena da liberdade de expressão está ligada ao direito de educação. O direito à vida depende da promoção da saúde e do combate às epidemias, por exemplo. A deputada lembra que os Direitos Civis e Políticos são de aplicação imediata, e na prática, a implementação dos DESC é gradual. Os DESC não são um mero catálogo de boas intenções por parte dos Estados, são direitos derivados de tratados internacionais de direitos humanos. A Deputada explicou que os DESC não são “judicializáveis”, ou seja, passíveis de reclamação perante o Judiciário por parte da população. O Comitê criado no âmbito do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) para supervisionar o cumprimento desses direitos por parte dos Estados se nega a aceitar que exista uma diferença de natureza entre os direitos humanos. A palestrante explica que a aplicabilidade dos DESC resta prejudicada por parte dos Estados, que se valem da condição de desenvolvimento progressivo. Um exemplo é a garantia ao direito à habitação. No informe gerado, em 2018, no âmbito do PIDESC, foram feitas recomendações ao Estado espanhol, que estava despejando pessoas de suas casas, sem que elas tivessem outra moradia.
Sobre o tema do Racismo Ambiental, a Deputada Maria Dantas convidou os participantes a se perguntarem para onde vai o lixo em suas cidades. O lixo vai para zonas mais afastadas, pobres e de periferia, configurando o racismo ambiental. Esse racismo ambiental recai sobre os grupos étnico-raciais de mais vulnerabilidade. Ela ressaltou que nas observações realizadas pelo Comitê DESC em relação à Espanha por violações ao direito de moradia adequada, o Estado foi instado a realizar modificações legais para não reproduzir situações de racismo ambiental. As pessoas desalojadas e despejadas de suas casas precisam ter acesso a recurso para questionar a medida estatal judicialmente, a partir do princípio da proporcionalidade. Estão incluídas as moradias realizadas por meio de ocupações, sem título de propriedade por parte dos moradores. A Deputada chamou atenção para a importância da plataforma digital regularização já, para a regularização administrativa das pessoas migrantes, incluindo a garantia dos DESC. Maria Dantas terminou sua fala explicando que os DESC não vêm somente do Pacto Internacional, vêm também da cidadania e sociedade civil organizada, dos movimentos sociais. Sem luta, não há garantia de direitos.
Lucie Pélissier, do coletivo CRID e Presidente da CliMates, uma instituição de jovens engajados com a questão climática. Lucie é consultora da rede des Ponts pas des Murs, que reúne instituições que lidam com a questão das migrações internacionais, sobretudo as motivadas por questões ambientais. A palestrante comentou resultados do estudo que a referida rede conduziu, a partir de um mapeamento das ações promovidas pela sociedade civil em relação às migrações ambientais. Ela explicou que as migrações ambientais estão inseridas na interseccionalidade da solidariedade internacional e as mudanças climáticas. Ela explicou que as mudanças climáticas vão influenciar e agravar as catástrofes naturais já existentes, fazendo com que os deslocados por razões ambientais dependam da solidariedade dos Estados para acolhê-los. Os países que mais poluíram historicamente são os mais industrializados do norte global, sendo que os países do sul global são os mais propensos a sofrerem com os impactos sociais das mudanças climáticas. A palestrante explicou que o estudo foi realizado a partir de um questionário e entrevista.
Foram aplicados aproximadamente quarenta questionários e realizadas dez entrevistas com os atores da sociedade civil envolvidos com a questão. Dentre as perguntas realizadas, questionou-se como os fatores de gênero, idade, minorias, deficiência, origem e orientação sexual guiavam o trabalho dessas organizações. A questão de gênero é observada por 65% das organizações; a questão de idade e status social é observado por 74% das organizações; a questão das minorias dentre os migrantes é observada por 45% das organizações; a questão da origem dos migrantes é considerada por 32% das organizações; a questão dos migrantes com deficiência é considerada apenas por 17% das organizações; e a questão da orientação sexual é observada apenas por 11%. As organizações de cunho ambiental levam menos em consideração as questões interseccionais sobretudo em relação ao status social e em relação à orientação sexual, em comparação com as organizações que tratam da solidariedade internacional. A palestrante ressaltou a importância das organizações da rede que trabalham no atendimento aos migrantes, pedindo que prestem atenção nas particularidades das características de vulnerabilidade dos migrantes, bem como trabalhem com a sensibilização dos órgãos públicos e da sociedade.
Em seguida, os palestrantes responderam perguntas dos participantes do webinário. Mariana Araújo pediu ao Professor Antumi Toasijé que comentasse sobre as expulsões de migrantes em um contexto mais atual. O Professor explicou que existem pessoas marginalizadas que se encontram excluídas do conceito de cidadania devido ao racismo. Existem determinadas nacionalidades que tem mais dificuldade em obter regularização e trabalho na Europa. O professor explica que na Espanha existe uma “presunção de culpabilidade” devido ao racismo. Alguns países são considerados mais corruptos e focos de delinquência, fazendo com que seus nacionais tenham mais dificuldades de se regularizar na Espanha. Existe ainda a prática de perfilamento racial por parte da polícia com pessoas de origem africana. O perfilamento racial faz com que exista um sistema jurídico paralelo aquele destinado aos cidadãos espanhóis. No tocante à interseccionalidade, existe a racialização de determinadas religiões. O professor explicou ainda que na Espanha existe a percepção de que as pessoas que não correspondem ao fenótipo espanhol são necessariamente estrangeiras. A Espanha sempre foi um país diverso, porém com perseguição das minorias para configurar um país homogêneo racialmente, de uma só língua e uma só religião. As mulheres nascidas na África são o coletivo interseccionalmente mais discriminado na Espanha. O Professor concluiu ressaltando que o coletivo pan-africanista conseguiu o reconhecimento por lei da comunidade africana e de afrodescendentes. Ressaltou ainda que existe a necessidade de reconhecer que todas essas lutas por direitos, como a luta contra a escravização, contra o colonialismo e contra o racismo, são originadas nas ruas.
Foi perguntado ao Palestrante Jean Wyllys como ele vê a questão da xenofobia e o racismo praticado na Catalunha com pessoas que vieram de fora da região. O palestrante lembrou que a luta vem das ruas, mas também vem das instituições. As ruas não se organizam ao ponto de eleger tantas pessoas no parlamento, as instituições também têm contribuição nas mudanças sociais. Ele explica que a extrema-direita faz difamação para criticar a esquerda, e pessoas que lutam por direitos acabam agindo de maneira semelhante, com a cultura de cancelamento e linchamento virtual, interditando a possibilidade do diálogo. O palestrante defende que todo povo tem direito a identidade cultural, a preservar a sua língua e construir sua memória coletiva frente ao colonialismo. Jean Wyllys concluiu que as questões geradas pelas interseccionalidades são complexas e que nosso dever é entender essas complexidades. Um exemplo é a extrema-direita na França usar os valores muçulmanos para despertar a xenofobia nas mulheres feministas francesas e na comunidade LGBT. Jean Wyllys explicou que o mundo não funciona com uma estrutura maniqueísta, é bem mais complexo que isso.
Maria Dantas, respondendo a perguntas sobre a atuação de seu partido político em relação aos direitos das pessoas migrantes, destacou o trabalho conjunto com a plataforma regularização já, para a regularização de migrantes. Destacou também o trabalho realizado junto ao Parlamento da Catalunha sobre a reforma da lei contra a violência machista. A lei foi ampliada e inclui o conceito do crime de feminicídio. Destacou também a aprovação da lei de igualdade de tratamento e não discriminação no Parlamento da Catalunha. Sobre a questão do perfilamento racial, explicou que a Espanha foi condenada em 2009, pelo caso de mulher afro-americana. A Corte Europeia de Direitos Humanos vai se pronunciar sobre o caso de um jovem paquistanês, também identificado por seu perfil racial. O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU publicou recentemente uma recomendação sobre a necessidade de prevenir e combater o perfilamento racial por parte de seus funcionários. A palestrante ressaltou a necessidade e seu desejo de cada vez mais as minorias serem eleitas para o Parlamento. Concluiu sua fala explicando sobre a diversidade na Catalunha, referindo-se à pluralidade de línguas e religiões na região. Ressaltou a necessidade de combater o ultranacionalismo e o fascismo, fugindo-se dessas posturas fundamentalistas na Catalunha e na Espanha como um todo.
Sobre a participação no webinário, o evento contou com 300 participantes inscritos de países como Brasil, Portugal, Itália, Bélgica, Reino Unido, Espanha, Argentina, Uruguai, Argélia, França, Austrália, Chile, Colômbia, Estados Unidos, El Salvador, Bolívia, entre outros.
